Orientação e apoio sócio-familiar

05/06/2012 21:49

 

Considerações Iniciais

 

Este é o primeiro dos sete regimes de atendimento elencados no artigo 90 do ECA. Por que isso ocorre? Há uma lógica por trás desse ordenamento. No artigo 227 da Constituição, vemos que tudo que é direito da criança e do adolescente deve ser considerado "dever da família, da sociedade e do Estado". A família, portando, deve ser considerada o primeiro círculo de proteção de sua descendência.

 

Por isso, entre os direitos assegurados da integridade física, psicológica e moral da criança e do adolescente - junto com a dignidade, o respeito e a liberdade - figura o�direito �convivência familiar e comunitária. Isto significa que privar uma criança ou um adolescente desse convívio é uma atitude a ser tomada somente em último caso.

 

É interessante observar como o Estatuto zela por assegurar esse convívio nas mais diversas situações:

 

Art. 90 - O Poder Público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.

 

Art. 100 - Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a:

 

I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos;

 

II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente;

 

III - proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais;

 

IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato;

 

V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe.

 

Art. 120 - Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente.

 

 

Art. 19 - Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

 

Art. 22 - Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

 

Art. 23 - A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder.

 

Parágrafo Único - Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.

 

Art. 53 - A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

 

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

 

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

 

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

 

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

 

V - acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência.

 

Parágrafo Único - É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

 

 

Art. 124 - São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

 

VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;

 

VII - receber visitas, ao menos semanalmente;

 

VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;

 

XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.

 

Parágrafo 10 - Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.

 

Parágrafo 20 - A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.

 

A ruptura total ou parcial do convívio familiar se dá pela situação de perda ou abandono da criança ou adolescente pelos pais, pela venda e tráfico, pela institucionalização ou pela perda ou suspensão do pátrio poder pelos genitores. A colocação em família substituta nos regimes de guarda, tutela ou adoção (artigo 28 a 52) é cercada de muitas precauções e cuidados, visando assegurar o bem-estar e a dignidade da criança e do adolescente durante e após os procedimentos legais.

 

Na falta ou carência de recursos materiais, como vemos no parágrafo único do artigo 23, a família "deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio". Temos aí bem caracterizada a ajuda material à família. As famílias, porém, não necessitam apenas de ajuda material. Elas precisam também de receber ajudas não-materiais, que vão, desde informações sobre seus direitos e deveres, até aconselhamento econômico, social, educacional, profissional, psicológico e moral.

 

A essa ajuda não-material às famílias chamamos de orientação e�à ajuda material financeira chamamos de apoio. Assim, o primeiro regime de atendimento elencado no artigo 90 do ECA foi denominado orientação e apoio sócio-familiar.

 

A finalidade desse regime é assegurar às crianças e adolescentes o direito à convivência familiar, evitando que dificuldades econômicas, pessoais e sociais dos pais ou responsáveis pela criança ou adolescente acabem por levar à ruptura desse vínculo tão importante para o normal desenvolvimento dos filhos.

 

 

Como Deve Funcionar esse Regime

 

Os Programas estruturados com base no regime de orientação e apoio sócio-familiar - em nossa visão - constituem um dos quatro pilares fundamentadores de uma política de família. Portanto, o ideal é que os dirigentes municipais, ao estruturarem suas redes locais de atendimento, tenham sempre em mente que a família é a primeira e a mais básica circunstância a concorrer para a sobrevivência, o desenvolvimento e a integridade das crianças e adolescentes. A clareza sobre esse ponto traz como implicação a necessidade de se trabalhar de forma convergente, intercomplementar e sinérgica os quatro pilares de uma política de família:

 

Promoção da Família;

Educação para a Vida Familiar;

Orientação e Apoio Sócio-Familiar;

Proteção dos Membros mais Vulneráveis da Família.

 

2.1. Entende-se por promoção da família a melhoria da posição�das unidades familiares na agenda das políticas públicas. Os Programas de Saúde da Família são uma melhoria da posição de família na política de saúde. Os programas de renda mínima são um exemplo de como isso ocorre na política de assistência social.�A participação dos pais nas decisões escolares ilustram como isso ocorre na política de educação.

 

2.2. Educação para vida familiar refere-se à preparação dos adolescentes e jovens para a vida familiar na idade adulta. Existe educação para o trânsito, para o meio-ambiente, para o consumo, para o empreendedorismo e tantas outras dimensões da existência. Não existem, porém, entre nós, programas que preparem os jovens para a vida familiar.

 

2.3. Orientação e apoio sócio-familiar são os programas destinados a oferecer ajuda material e não-material às famílias das crianças e adolescentes violadas ou ameaçadas de violação em seus direitos, credores, portanto, de medidas protetivas, atendendo igualmente aos familiares dos adolescentes em conflito com a lei em razão do cometimento de ato infracional.

 

2.4. Entende-se por Programas de Proteção aos Membros mais Vulneráveis da Família as iniciativas destinadas à proteção da criança, do adolescente da mulher, do idoso e do deficiente, quando esses, no convívio familiar, são ameaçados ou violados em sua integridade física, psicológica ou moral por ação ou omissão de outros membros da família. Os programas do tipo Conselhos Tutelares, os plantões telefônicos de recebimento de denúncias, as Delegacias de Mulheres são exemplos de iniciativa nessa linha.

 

Podemos perceber claramente que, antes mesmo dos abrigos, os programas de orientação e apoio sócio-familiar devem ser estruturados nos municípios, como a primeira e a mais fundamental retaguarda para os Conselhos Tutelares e a Justiça da Infância�da Juventude.

  

 

O Que Precisa Ser Feito

 

Para funcionarem adequadamente, estes serviços devem estar estruturados para:

 

Prover informação adequada para as famílias acerca de seus dirigentes, seus direitos e de agir no sentido de exercê-los;

 

Encaminhar as pessoas para serviços de atendimento prestados por outras organizações governamentais e não-governamentais existentes no município ou região;

 

Orientar individualmente ou em grupos as famílias em suas dificuldades pessoais, econômicas, sociais e profissionais, de modo a ajudá-los a compreender melhor sua situação e buscar saídas;

 

Prestar ajuda material ou financeira diretamente ou - o que é mais recomendável - encaminhando as pessoas a outros programas, quando esses existirem no município;

 

Capacitar as famílias em áreas como economia doméstica, vida a dois, relacionamento dos pais com filhos em situação de risco, participação comunitária, planejamento de vida e outros nessa linha;

 

Desenvolver pela mídia programas educativos e campanhas destinadas a instalar conhecimentos e valores na consciência social, de modo a favorecer o desenvolvimento de atitudes favoráveis à melhoria da qualidade do convívio familiar.

 

 

Situação Atual

 

Atualmente, estamos ainda muito longe de que tudo isso aconteça. Temos uma visão fragmentada da problemática relacionada à população infanto juvenil. Nossa tendência é encarar as situações do abuso, negligência, abandono, tráfico e outras nessa linha inteiramente de per-si. Esta maneira de ver, entender e agir impede o avanço para o entendimento dessas questões no quadro mais amplo da realidade familiar dessas crianças e adolescentes.

 

Romper com este tipo de visão é fundamental para o avanço na construção de programas de orientação e apoio sócio-familiar como retaguarda fundamental, tanto para a implementação das medidas protetivas, como das medidas sócio-educativas.

 

Estes plantões - na medida das exigências da problemática local e das condições de cada município - deveriam ser capazes de prover orientação em áreas como serviço social, economia doméstica, assistência jurídica e ajuda psicológica. No campo do apoio, o fundamental é que, além de ajudas materiais (cestas básicas, auxílio transporte, materiais de construção e agasalhos) eles fossem capazes de prover ajuda financeira (bolsas, renda mínima), preparando os responsáveis pela família (qualificação e requalificação) para emanciparem-se da dependência desses benefícios.